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reflectmyself

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Tecto

Arms, 28.04.07
Deito-me por cima do encosto do sofá de lona, com a cabeça afundada no assento. Fico assim a olhar para o tecto lisinho e passeio por entre as portas abertas, de pernas para o ar e sigo a dança das sombras dos ramos das árvores da rua, projectadas sobre o tecto branco. Na boca seguro um lápis que tento equilibrar sem o auxílio das mãos. Não há mobília a atravancar o quarto. E nem pó. E, se eu quisesse, podia encher o quarto de água e fazer uma piscina.
As fissuras da tinta branca deste quarto a pingar de tempo traçam caminhos tortuosos na minha mente. E, sem que eu queira, a minha mente é transportada, por este mapa de tempo e idade, para a minha infância esquecida, onde eu deitava-me sobre a relva e contemplava os céus e as nuvens. As tardes que se estendiam até ao limiar do tempo. E a altura em que podia sonhar sem ter que me preocupar. Tardes nunca mais sentidas pela minha pele. Tardes nunca mais apreciadas com a inocência e honestidade de uma criânça que descobre o mundo, espetando paus nas termiteiras por curiosidade em saber que reacção teriam. Tardes em que corria sem a preocupação de cair e esfolar o joelho. Tardes em que conduzia as cabras pelo terreno fora. Tardes em que corria com os cachorros, cambaleando pelo relvado fora de tão novos. Tardes em que descobria animais novos e estranhos. Tardes em que dava banho ao elefante de circo perdido com uma mangueira verde. Tardes em que, quando vinham as tempestades lá no fundo, no horizonte da savanna, me sentava a comer um gelado antes da tempestade atingir a casa e ficava a contar os relâmpagos.
E sinto no mais profundo do coração a saudade. A saudade em que a vida me apaixonava. A saudade de descobrir as coisas pela primeira vez.

E uma lágrima escorrega quando me apercebo que o que preciso é de sentir tudo pela primeira vez de novo. Renascer.

Insanidade animalesca

Arms, 28.04.07

Ruge
e lateja.
Arranha
e devora.

Consome cada pedaço da minha essência
como um leão faminto.
Devora as minhas memórias.

Quero sentir o calor do teu hálito sobre a minha pele fria.
Quero afogar nos teus olhos e perder a minha identidade.

Quero deixar de existir para renascer de novo.

E talvez eu consiga rugir e latejar,
arranhar e devorar a essência que anseio.

(Saiu-me assim, enfim... )

The ultimate poet (Part 4)

Arms, 28.04.07
In that spit of a dark room,
Where you lick the steaks of your life,
A lies circulates.
Spoken by an innocent child.

You don't know, you don't care,
You don't want to know what you're thinking,
Because there is no rest
While that private smirk,
You think nocturnal thoughts.
Who are you this week?

You're here to tell your tale,
Sitting naked on that sun bathed bench.
You hold that blade in your hands for years,
You didn't even cleaned the dust off.

It's the fantastic tale of your life.
Few grabbed and cheared for you.
That tear cries, falls and stains
For a love you once felt...

But your heart has no place for you.
Because you don't want it.

Each word of yours is a sword,
A demon,
An angel,
A future,
A wish
That cuts your soul open.

And you swim in that pig's blood.
An icy fire in your glass bones.

You never had to play these games
And you don't want to play anymore.

For now...

The ultimate poet (Part 3)

Arms, 28.04.07
While those saint escape
men stay behind.
Monsters that wrip their chests.
Bright eyes and defamous mouths,
Dealing with the shit we drown in.

You stay in your tower,
Almost consumed by time,
Rinsed in fear and in pain,
Where lies spread
By those who do not rest.

Long have you abandoned your footsteps.
You're tired of life.
Tou're tired of looking out for us.
And, in a secret smirk,
You smile - you lived lives eventually.

In a hope of shattered glass
You look at the girl in the corner,
That chances and escapes through the wind.

And it was morning of the next morning.
And you only had that wish...
You're the ultimate poet.

O respirar dele pareceu congelar antes que o vento o pudesse tirar

Arms, 28.04.07
Marco estava à espera dele há quanto tempo? Uns quinze minutos!? E não se iria embora antes que o gajo chegasse. O homem pálido aproximou-se por detrás e puxou-o para dentro do bêco, longe de olhares que os poderiam incomodar. Trocaram os bens e seguiram os seus caminhos separados. Marco estava aliviado... ligeiramente aliviado. Começou o seu caminho de três quarteirões até ao seu prédio. Passou por incontáveis bêbedos e inúteis rejeitados e, no fundo, sabia que ele era igualmente ou mais sujo que eles. Mas ele tinha algo melhor, muito melhor. Passou por uma prostituta. E depois outra. E depois por outras mais. Elas já não lhe tinham importância. Os prazeres da carne são tão insignificantes comparados com os prazeres do sangue.

Nunca teve emprego, nem tão pouco se importava. Podia roubar o suficiente para se manter, e tinha isso como vantagem. No início não passava de um passatempo, mas depressa se tornou em algo que o mantivesse vivo. Televisores, rádios de automóveis, carteiras, jóias, pensamentos, tudo o que servisse para manter o seu adicto. O pai batia-lhe, a mãe batia-lhe, todos lhe batiam e rasgavam tudo o que o tornaria num homem.

Chegou finalmente ao seu apartamento. A porta não tinha fechadura e nem era preciso. Os excrementos de rato e as baratas mortas mantinham longe todas as pessoas que se mostrariam curiosas. Marco já nem reparava no cheiro a fezes e nas paredes podres, nem tão pouco no vómito seco. Tudo o que precisava era de uma colher, a seringa, a vela e o pó. Empurrou o sofá vomitado para o lado e atou o seu cinto à volta do braço, expondo as suas veias tenras. A concentração era crucial agora. Ele teria que ignorar toda aquela estática ameaçadora dos seus ouvidos. Encheu a seringa enquanto o som aumentava.

A estática era suave, delibrada, mas repetitiva, persistente. O som não tinha sentido no momento, mas era impossível ignorar. Agitou a cabeça para sacudir o som. Enfiou a agulha no seu braço e forçou o conteúdo o mais rápido que pôde. Caiu para trás, sobre o chão e esperou que o transe viesse e trouxesse a única paz que conhecia. Mas tudo o que sentiu foi a estática. Bateu com as costas do seu crânio no chão para fazê-lo parar. Mas não parava. Apenas aumentava. E aumentava cada vez mais. Começou a ficar zonzo, mas isso já era esperado.

Chorou conforme ia perdendo os sentidos. Porque ele perdeu tudo e perdeu os céus. O barulho era demasiado alto agora. Drenava-lhe os pensamentos. Os seus olhos vidraram enquanto ele se deitava imóvel no chão desejando que a estática parasse. Perdeu totalmente os sentidos quando o som lhe abusava do corpo e sabia que não iria parar.

Os seus pulmões encheram-se de saliva e espuma e outros fluídos incontáveis que se engasgavam pela boca fora. O vómito resultante afogavam-lhe os olhos e o chão à sua volta. Ele já não conseguia respirar quando desistiu e se entregou àquela estática confortavelmente controladora.

No screams, no tears.
No dreams, no fears.
Nothing beyond existence.
And that music was his fate.
He was only sixteen.